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MPB – a contribuição milionária de todos os ritmos: a Ópera-Rock (I e II)
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15 de fevereiro de 2024 por Nísio Teixeira  
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Um dos grandes sonhos, pesadelos e realidade do chamado “art rock” e/ou rock progressivo é o da “ópera-rock”. Teste de força para quem almeja unir o rock às referências das músicas erudita, clássica ou de vanguarda. Isto é, dar um tratamento “sinfônico” para o rock. Ícaro, talvez, seja o patrono dessa empreitada. Às vezes, o sonho é maior do que a possibilidade. Às vezes, do projeto já se cria um enorme pesado. Às vezes, mais raro ainda, há sucesso. No universo internacional: os ingleses do Kinks e sua ópera-rock “Arthur”; Pink Floyd com “The wall”; The Who com as clássicas “Tommy” e “Quadrophenia”; e a dupla Webster & Rice com “Evita” e “Jesus Christ Superstar” são bons exemplos. No Brasil, experiência no mesmo grau de acerto e erro foram e são realizadas. Às vezes, se materializam com sucesso, como em Arrigo Barnabé. E, às vezes, viram conceitos para serem pensados e ponto de partida para outros projetos e/ou canções, como em Raul Seixas. Transformando-se em uma espécie de “arte conceitual”. Isto é, não existe plenamente uma “ópera-rock” mas um projeto de execução, para que compositores, intérpretes e possíveis ouvintes possam transitar. O primeiro grande exemplo é, sem dúvida, o álbum “Grã-Ordem Kavernista” (CBS, 1971), de Eddy Star, Míriam Batucada; Raul Seixas e Sérgio Sampaio. As canções do disco são independentes mas respiram uma proposta única: expandir, em um plano da paródia-ironia, as concepções da Tropicália. Na mesma época, Raul Seixas ainda participa de um outro projeto: “Vida e morte de Johnny McCartney”, com o cantor e compositor Leno (ex-Leno & Lílian). Lançada na época (LP, CBS, 1971), o álbum, perseguido por censura e ignorado pela gravadora, passa despercebido. Só em 1995, é relançado, em CD, pela Natal Records, de Leno. Mas é em 1980 que surge a primeira grande ópera-rock brasileira: “Clara Crocodilo”, de Arrigo Barnabé, com Arrigo Barnabé & A Banda Sabor de Veneno. Produção de Robinson Borba. O LP foi lançado em 1980. Relançamento em CD em 2000. Um misto de idéias da poesia concreta com dodecafonismo mais art rock (Frank Zappa, principalmente) e uma dosagem certeira de “terrir” (terror + sorrir. Isto é, + humor). Em 1982, Raulzito avisa que estava compondo “Nuit”: Que narra a saga da mãe universal de todas as coisas. Uma espécie de “prostituta da Babilônia” recriada pela mitologias esotéricas e místicas. Não há notícia conclusiva se Raul conseguiu realizar o intento. “Tubarões voadores”, de 1984, é uma nova empreitada de Arrigo Barnabé. Com participações de Paulinho da Viola, Rita Lee, Vânia Bastos, Lúcia Turnbull, Itamar Assumpção, Gigante Brasil, Passoca, Dino Vicente, Tonho Penhasco, Bozo Barreti, Otávio Fialho, Duda Neves, Paulo Barnabé e Lelo Nazário. O álbum, orginalmente, saiu pela Barclay, em 1984. E foi relançado em CD pela Thanx God Records, em 2000. As bases são as mesmas de “Clara Crocodilo”, mas, agora, Arrigo ainda é mais soturno. O disco, na sua primeira versão, trazia uma revista-história em quadrinhos, de Luiz Gê, com a letra sendo traduzida em imagem. Na mesma ocasião, Robinson Borba, produtor de “Clara Crocodilo”, lança a sua ópera “Peter Pan... K!”, que integra o LP “Rabo de peixe” / “Peter Pan... K!”. Retrato de um Peter Pan alucinado e perverso já na sua fase, digamos, adulta. O álbum, pelo que tenho notícia, nunca foi relançado em CD. Em meados da década de 1980, o conceito de ópera-rock deixa de ser um termo fechado e se abre e abriga outras experimentações conceituais. Em 1986, o crítico Wladimir Soares (“Um balanço do ‘rock’ que rola”. In: Visão, 6/8/1986) escreve sobre o disco “Cabeça dinossauro”, do grupo Titãs (WEA, 1986): “O disco funciona como uma ópera rock punk que tivesse como modelo a ópera rock hippie que foi Hair (da qual, aliás, a música ‘Igreja’ é um descarado plágio), que privilegia o aspecto sonoro”. Semana que vem, concluo. MPB – a contribuição milionária de todos os ritmos: a Ópera-Rock (II) Na semana passada, comentei sobre esse monstro-mistério chamado ópera-rock, hoje concluo. Em 1988, é a vez de um músico ligado ao “Clube da Esquina” lançar a sua ópera. “Manú Çaruê, uma aventura holística”, ópera-epopéia holística de Wagner Tiso & Geraldo Carneiro, com Wagner Tiso. E participações de Rubens Gershmann (ambientação); Rubens Corrêa e Maria Padilha (vozes recitadas); Klaus Viana (coreografia); Reiner Viana (dança); Cazuza e Ritchie (vozes pré-gravadas); Victor Biglione (guitarra em fita magnética); Walter Lima Júnior (direção geral) e Ari Sperling (produção sonora e programação de computação). O álbum saiu pela Philips em 1988. E foi relançamento, em CD, pela Visiom Digital, em 2001. Arrigo Barnabé volta à cena, depois de “Clara Crocodilo” e “Tubarões voadores”, em agosto de 1990, com “Gigante Negão – pseudópera”. Contando com: Ana Amélia Duarte, como Mulher com a Caveira; Tuca Fernandes, Glória Gozosa; Itamar Assumpção, Gigante Negão, nas vozes. No instrumental: Mário Manga (Muco Miguel – Miolo Mole); Paulo Braga; Dino Vicente (Prof. Dino); Azael Rodrigues; Cláudio Faria (Lúcifer); Mané Silveira (Fero Farelo); e Roney Stella (Arcanjo Miguel). A performance foi gravada em fita cassete em uma única tomada. E lançada, em CD, em 1998. Em 2001, o titã Branco Mello, em parceria com Ciro Pessoa (ex-Titãs e líder do grupo Cabine C), lança a ópera-pop-infantil “Eu e meu guardapchuva”, pela Casa 5/Editora Globo. As faixas são cantadas por: Arnaldo Antunes, Cássia Eller, Elza Soares, Frejat, Toni Garrido, entre outros. A segunda mais importante ópera-rock brasileira, sem dúvida, é “Hamlet”, ópera/projeto coletivo coordenado pela gravadora Die Hard Records, de Fausto Mucin & André Luiz Mesquita, com vários nomes do heavy metal brasileiro, baseada no texto homônimo de Willian Shakspeare. Entre os participantes: André Matos, Deppht, Eterna, Fábio Laguna, Fates Prophecy, Hammer of the Gods, Hangar, Imago Mortis, José Luiz Ribalta, Krusader, Mário Pastore, Nervochaos, Sagga, Santarem, Symblos, Torture Squad, Thuatha de Danann e Vers’Over. O texto foi adaptado pelo poeta Adriano Villa, vertido para o inglês por Alexandre Callari. Ao todo, o projeto envolveu 160 pessoas. O álbum-CD “William Skakespeare’s Hamlet” foi lançado pela Die Hard Records, em 2001. A turma do metal brasileira ainda voltou, recentemente, com outro supertrabalho. “Aina”, projeto/ópera rock, chamado de “metal opera”. Na coordenação: Amanda Somerville (voz e temática); Sascha Paeth (dos grupos Heavens Gate, Virgo, Shaman e Kamelot. Produção e guitarra); Robert Hunecke-Rizzo (do Havens Gate / Virgo. Guitarra, contrabaixo e bateria) e Miro (dos grupos Heavens Gate e Virgo. Nos teclados e orquestrações). Nas participações, um verdadeiro “quem é quem” do heavy metal mundial: Michael Kiske (do Supared. Ex-Helloween); Damian Wilson (do Ayreon e Star One. E ex-Threshold); Tobias Sammet (do Edguy); Glenn Hughes (ex-Deep Purple, Black Sabbath e Trapeze); Thomas Rettke (do Heavens Gate); Olaf Hayer (do Luca Turilli); Candice Night Hayer (do Blackmore’s Bight); André Mattos (do Shaman. E ex-Angra e ex-Viper); Marko Hietala (do Nightwish. E ex-Sinergy); Sass Jordan e Simone Simons (do Epica); Emppu Vuorinen (do Nightwish) e Thomas Youngblood (do Kamelot); Jens Johansson (do Stratovarius. E ex-Yngwie Malmsteen’s Rising Force); Derek Sherinian (do Yngwie Malmsteen’s Rising Force e do Planet X. E ex-Dream Theater); Erik Norlander (do Lane Lane) e T. M. Stevens (das bandas de apoio de Steve Vai e de Tina Turner). O álbum-CD “Days of rising doom the metal opera”, pela Hellion, neste ano. No quesito música mais ópera e/ou teatro, embora não sendo, obviamente, óperas-rocks, não podemos nos esquecer dos trabalhos de Chico Buarque: “Roda viva”, de 1967; “Calabar ou O elogio da traição”, escrita com Ruy Guerra, de 1973; “Os saltibancos”, parceria/versão para espetáculo de Sergio Bardotti & Luiz Enriquez, de 1977; “Ópera do malandro”, baseado em óperas anteriores, “Ópera do mendigo”, de John Gray, de 1728; e “Ópera dos três vinténs”, de Bertholt Brecht, de 1928; “O grande circo místico”, com Edu Lobo, de 1983; e “O corsário do rei”, também com Edu Lobo, de 1984. E o espetáculo multimídia “Vida paixão e banana do Tropicalismo”, de J. C. Capinam & Torquato Neto, escrito no biênio 1967-1968, que, além dos tropicalistas, trazia as (indicações de) participações de: Araci de Almeida, Chacrinha, Emilinha Borba, Flávio Carvalho, Gilberto Freyre, Glauber Rocha, Grande Otelo, Ibrahim Sued, Jorge Ben, José Celso Martinez Corrêa, Linda Batista, Luiz Gonzaga, Marlene, Nelson Rodrigues; além da Academia Brasileira de Letras, deputados e senadores, índios e protetores de índios, travestis, turistas norte-americanos, entre outros.
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Description
Crônica
Autoria
Marcelo Dolabela
Data
14 e 21 08/2004