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DA PROVOCAÇAM DA QUERIDA MOLLY!
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15 de fevereiro de 2024 por Nísio Teixeira  
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A diversidade não é uma moeda corrente na tradição cultural belo-horizontina. A cidade é muito monotemática. Aposta no certo. Fez sucesso é bom. É de praxe ouvir: “Gosto do Corpo. Do Galpão. Do Giramundo. Do Skank. Do Pato Fu. Do Uakti. Do – pasmem – Sepultura. Do Éder Santos.” O Gosto é o gosto médio. É o gosto do sucesso. A surpresa pouco existe. A descoberta do novo – ou do “outro” – é, quase sempre, a descoberta de algo já descoberto. Principalmente já descoberto pelo eixo RJ-SP. 2000 trouxe duas gratas surpresas ao mapa da mesmice belo-horizontina. O curta-metragem “Provocaçam”, do poeta Ricardo Aleixo, um vídeo sobre e com o poeta, escritor, editor e artista gráfico Sebastião Nunes; e o espetáculo teatral “Querida Molly!, de e com Mônica Ribeiro, com textos de Ione de Medeiros, a partir de obras (“Ulisses” e cartas) de James Joyce. O “Provocaçam” é um achado. Coloca em diálogo dois poetas da melhor estirpe da poesia brasileira atual: Ricardo Aleixo e Sebastião Nunes. Nada mais adequado do que ver a obra de um poeta sendo (re)lida por outro poeta. Augusto de Campos (re)lendo Rimbaud. Haroldo de Campos, Dante, Camões e Drummond. Paulo Leminski, Cruz e Souza e John Lennon, etc. O vídeo capta Tião – ou Bastunes Nião – em seu autopaideuma básico: a visualidade irônica. Apocalíptico + barroco + benjaminiano + gregoriodematense + mcluhaniano + anti-publicidade + anti-tudo-isso. O poeta quase-sabarense une fundo e forma, palavra e imagem, idéia e multiplicidade, para por abaixo seus principais alvos: a classe média, os meios (tecnoburros) de comunicação de massa e a oficialidade atávica da história (sócio-cultural) do Brasil. Um único deslize, de fácil correção, que não compromete o vídeo, a falta de “time” na passagem de uma cena para outra. Às vezes, a força verbivocovisual é abrandada. Já “Querida Molly!” tira - de transtextos-montagem-voz-do-trovão de James Joyce - o arquétipo da “amada”, da “musa”: Ofélia, Penélope, Dulcinéia, Beatriz, Laura & cia. São, completamente, Molly. A idéia de aprisionar Nora (senhora James Joyce) & Molly Bloom (personagem do “Ulisses”) em uma “casacérebro” – ou “casaútero” – parece ser a forma e a fórmula ideal para o texto “fluxo da consciência”, para a amplificação do “monólogo interior” de gritos e sussurros. Os “cacos” visotextuais, a partir da vida cotidiana, são destaque. Molly usa telefone sem fio, secretária eletrônica, comenta sobre seqüestros, filas de açougue e “telemarketing”, possui – à la Marcel Duchamp – “ar de Paris”, etc. Dois pequenos deslizes não maculam o espetáculo. O desleixo com a revisão do texto que gera algumas paracacofonias – “vou pôr elas” -. Que, em se tratando de James Joyce – mestre da palavra-valise, do palavra-puxa-palavra, do paragrama e de outras bossas lingüísticas –, é um pouco inaceitável. E o “drama” do epílogo – da conclusão, do final, da peroração, dêem o nome que quiser – um pouco excessivo. Principalmente depois que a personagem passa pelo “chave-d’ouro”-ulisséia: “sim eu disse sim eu quero sims” (ou “sim”). No mais, “Querida Molly!” mostra uma impecável performance da atriz Mônica Ribeiro – sem dúvida, a melhor performer do teatro belo-horizontino -, uma certeira trilha de Rufo Herrera, e, no folder, uma boa prosa-poética-apresentação (de Bloom!mollY) de Ram Mandil. O “Provocaçam” teve uma única sessão (de lançamento) na noite de 21 de dezembro do ano passado, no Cine Humberto Mauro, no Palácio das Artes. Na ocasião, o poeta Ricardo Aleixo leu um pertinente manifesto-coda às “provocações” estéticas tiânicas que glosou sobre os descaminhos (e possíveis caminhos) da finada “Secretaria Municipal de Cultura”. O “Querida Molly!” fez curta temporada no final do ano passado e voltou – em curtíssima temporada, na “27a Campanha de Popularização do Teatro e da Dança – Temporada 2000/2001, praticamente para pouquíssimos espectadores. Se estivessem no eixo-RJ-SP, “Provocaçam” & “Molly” seriam daquelas obras que mineiro provinciano, na época da Bienal de São Paulo, assiste e muxoxeia: “AH!... quando Belo Horizonte vai ter coisas deste tipo?!...”. Fazer o quê?! O cara, às vezes, vai pelos ares, reclamando que falta pólvora no mundo. Em tempo 1: Há, se não definitiva, uma boa obra sobre “monólogos interiores” lançada no Brasil: “O fluxo da consciência (Um estudo sobre James Joyce, Virginia Woolf, Dorothy Richardson, William Faulkner e outros)”, de Robert Humphrey, pela Editora McGraw-Hill do Brasil, com tradução de Gert Meyer e revisão técnica de Afrânio Coutinho. E, como não poderia deixar passar, o “Finnegans wake / Finnicius revém”, de James Joyce, já está em seu segundo livro, em tradução Donaldo Schüler, pela Ateliê Editorial / Casa de Cultura Guimarães Rosa. Este é imperdível. Em tempo 2: Na colagem-ilustração-homenagem, fiz uma montagem wlademir-dias-pinense com o poema “Work in progress / Honra ao mérito”, de Sebastião Nunes, e com as foto-flores do folder/cartaz da peça “Querida Molly!” de autoria da fotógrafa Márcia Charnizon, via projeto gráfico de Henrique Lisandro.