-
POESIA EM TRANSE É AMAR TRANSITIVO
- Voltar
15 de fevereiro de 2024 por Nísio Teixeira  
Documento
-
Nos manuais, uma verdade incontestável: o jornalismo se funda na "grande reportagem", no desvendar, no revelar primeiro, no furo. Porém, sob esta verdade, subjaz outra: a "grande reportagem" se equilibra sobre a adiposidade da "matéria fria", sobre o nada das cotidianidades: o nascimento do filhote de chimpanzé no zoológico de Seul; a lavagem anual do obelisco da praça; a receita da bacalhoada na Semana Santa, etc. Entre os tapas da "grande reportagem" e os "beijos" da matéria fria", caminha a mídia. Nos meus 25 anos de janela no mundo da música pop, já entendo um pouco da "grande reportagem" e já sou escolado na "matéria fria": esta é permanente; aquela, sazonal. Sempre os mesmos blá-blá-blás: a volta de algum estilo e/ou de alguma década - o funk brasileiro, por exemplo; o resgate de algum artista - o mais recente, mais não último, foi Tom Zé; bandas covers; comemorações e homenagens, etc. Porém, o tema mais recorrente é, sem dúvida, o do espaço para novos artistas, isto é, se as gravadoras e a grande indústria estão aptas para receber a genialidade da turma dos "fraldinhas do pop". Claro que tudo não passa de fogos-de-artifício: fotos maravilhosas, depoimentos grandiloqüentes, promessas de grandes revoluções e mais nada. Só o mais ingênuo dos ingênuos acredita nesta falácia. Só o "fraldinha dos três acordes" compra pilhas de jornais e recebe os cumprimentos sorridentes dos amigos e familiares. A música pop, em sua grande maioria, felizmente, já está vacinada contra essa lenga-lenga. Porém, o mesmo não se pode dizer da poesia. Se na música, o futuro fonográfico é "matéria fria"; na poesia, o futuro editorial ainda é "grande reportagem". Como me espanta a ingenuidade de jovens poetas. E mande "matéria gelada": o mercado editorial está em ascendência, pois há uma boom de novos poetas e os leitores estão afoitos. "Santa ingenuidade", diria o Menino Prodígio. Se conselho fosse útil valeria muito dinheiro. Por sinal, data vênia, corrijo, vale, mas não são dados em tapa-buracos de jornais. Digo para mim mesmo: "guarde seu conselho, professor, / o amor é forte não tem idade não tem cor". Mas acho que algumas observações podem ser arroladas para quem quer publicar, pela primeira vez, seus poemas: 1. ignore editoras. Só dialogue se o contrato partir delas. Mesmo assim, vale o toque: papo, só acompanhado de um advogado idôneo. 2. Estude muito e produza o que achar conveniente. 3. Monte sua própria bibliodiscovideoteca. Mas não se prive de consultar arquivos, bibliotecas e acervos. 4. Monte grupos de estudo. Mostre e discuta seus trabalhos. 5. Os trabalhos que possuírem alguma substância, divulgue. 6. Reúna seus melhores textos e publique livretos, plaquetas, folders e dobraduras (e, até, livros). 7. Lembre: divulgar bem é dez vez melhor do que vender mal e "esgotar", porcamente, sua edição. 8. Corresponda com e envie trabalhos para outros poetas e para jornais, revistas e sites especializados. 9. Crie e edite jornal, revista, fanzine ou site. 10. Participe de seminários, congressos, festivais de poesia, recitais, performances e happenings poéticos. 11. Mantenha contato com artistas de outras áreas, principalmente, com músicos, artistas plásticos, performáticos, teatrólogos e vídeo-artistas. 12. Produza textos poéticos adequados a outras linguagens - música, cinema, vídeo, teatro, etc. 13. Não se abata com críticas. Analise e utilize o que lhe for útil. 14. Se for participar de concursos de poesia, participe do maior número possível. Pois se, por princípio, você achar que deva participar, não aja de forma amadorística. Concurso é loteria da Babilônia, é promessa e prêmio. O prêmio é a única coisa que fica. Isto é, se o prêmio for em dinheiro, se for em comenda e/ou medalha, esqueça. Com a grana do prêmio, pelo menos, você pode editar sua obra, independentemente de leis, de falsos patrocínios e piedade de amigos e familiares. Porém, se você não acreditar em concurso, não se arrisque, assuma sua opção. 15. Não abandone nada, para ser poeta. Não seja poeta, abandonando seus projetos sócio-profissionais. 16. Ouça o conselho de Rainer Maria Rilke: "Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: "Sou mesmo forçado a escrever?" Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples 'sou', então construa a sua vida de acordo com esta necessidade". A poesia só "precisa" de quem precisa da poesia, de quem não vive (viveria) sem poesia. O resto é proselitismo e dandismo kitsch. 17. Hölderlin disse: "habite poeticamente" a vida. 18. A partir de Lessing, aprendemos: "na poesia, a beleza é a única verdade e a verdade é a única beleza". Mas não sejamos autotélicos. 19. Não se traia. Não traia a poesia. Nos ensinou Torquato Neto. 20. Por fim, não se esqueça: o poeta, por conseguinte, a poesia, é EXPERIÊNCIA (no sentido mapeado por Walter Benjamin); VERDADE (à la Martin Heidegger); MEMÓRIA (dos rapsodos gregos aos hipertextualistas); EXPERIMENTAÇÃO (Marcel Duchamp, Oswald de Andrade, John Cage, Joseph Bueys, etc.); e UTOPIA (sempre. Dos Socialistas utópicos, passando pelos materialistas, aos internacionais situacionistas). Poesia não é "furo", nem "matéria-fria". Poesia é amar verbo transitivo. E estamos conversando.